terça-feira, 25 de setembro de 2012

De alianças a anéis

Por Fátima Tardelli
Uma coisa que sempre discuto com os cristãos é o livre arbítrio; muitas e muitas vezes perguntei a eles como deus teria dado um livre arbítrio ao homem (livre arbítrio esse que não seria desrespeitado) e, ao mesmo tempo, desrespeitado o de Jonas.
Sim, Jonas. Ele não queria de jeito nenhum ir pregar numa certa cidade e resolveu tomar um navio que ia na direção oposta. Deus mandou tempestades terríveis assolarem o navio, até que a tripulação desse navio descobriu que as tempestades estavam acontecendo porque Jonas teria desobedecido a ordem divina e jogaram o cara na água. Daí veio um peixe (ou uma baleia) e vocês já sabem o resto da estória.
Todas as pessoas para quem eu perguntei isso disseram que deus havia desrespeitado o livre arbítrio de Jonas porque Jonas fazia parte de um povo que tinha uma ‘aliança’ com Deus e essa aliança justificaria o tal desrespeito. Quando me respondem isso, eu torno a perguntar como Deus poderia ter desrespeitado o livre arbítrio do faraó, por ocasião do êxodo, já que dito faraó não fazia parte de um povo contratualmente vinculado por essa tal ‘aliança’.
Sim, o tal faraó teria querido deixar os hebreus irem embora, mas Deus teria endurecido o coração dele. O porquê desse endurecimento ninguém nunca conseguiu me explicar: se o objetivo era os hebreus, após libertos, irem em busca da terra prometida; o ato divino de endurecer o coração só fez postergar o alcance desse objetivo. Ou será que deus queria só uma desculpa para matar aquele mundaréu de egípcios?
Essa aliança divina não é, porém, o objetivo dessa postagem. O anel que quero falar é outro, muito mais importante: o Anel de Giges. Essa alegoria foi escrita por Platão (“A República”, II, 357-368); Giges era pastor e encontra um anel que o torna invisível. Ele veste o anel, vai até o palácio, seduz a rainha, mata o rei e toma-lhe o lugar.
A conclusão daí tirada seria essa: se existisse tal anel, ninguém preservaria a justiça, pois no momento em que qualquer um pudesse pegar sem medo o que bem entendesse sem que os outros soubessem do mal que fazia; todos tenderiam para o mesmo fim, não havendo portanto, diferença alguma entre o homem bom e o homem mau.

O que frearia os impulsos humanos para o mal seriam, portanto, a reprovação e a punição que receberíamos por nossas condutas. Não seríamos bons, seríamos hipócritas.
Mas não é bem assim que a banda toca. André Comte Sponville, no seu livro ”Tratado do desespero e da beatitude I’ (que no Brasil foi traduzido para ‘Viver’, sabe-se lá porque) convida o leitor a um teste: você tem o anel. Só por ter esse anel você se permitiria TUDO? Dar-se-ia ao luxo de estuprar, matar e roubar? Não. Se tivéssemos o anel certamente faríamos coisas que não nos permitiríamos sem ele; mas também existem coisas que, com ou sem ele, nos vedaríamos a fazer.
Os cristãos gostam muito de dizer ‘sem deus tudo é possível’; Datena foi um exemplo de tal comportamento, ao dizer que ‘quem não tem deus no coração é capaz de fazer tudo’. Ledo engano, o deles. A moralidade existe independentemente da religião, e se você só deixa de fazer coisas erradas porque é temente a deus (porque teme a ira dele e crê que sendo bom receberá uma recompensa); a bem da verdade você não é bom ou justo. Você é hipócrita e vendido.
Existem ateus canalhas, assim como existem religiosos canalhas. Do mesmo existem ateus bons e religiosos bons. A religiosidade ou a não-crença não tornam a pessoa boa ou má. E a aliança perfeita da humanidade seria aquela em que o ser humano se comprometesse a tentar ser o melhor que puder, independente do julgamento alheio ou da existência ou não de Deus.

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