quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Lógica religiosa

Por:Jaime Vinícius

Dias de cão. Trancado no meu quarto tenho a sensação de que o mundo me odeia. E é sair para ele que tenho certeza. Não basta às pessoas viverem por si sós, em seus casebres e ruminando sua velha papa de todos os dias, elas querem que você viva como elas, querem te empurrar papa goela abaixo, querem que você partilhe do mesmo teto, das mesmas coisas, das mesmas crenças, querem tomar suas decisões.
Mas sai. Abri a porta. O mundo de fora é diferente do mundo do meu quarto. Daquela redoma ouvi os passarinhos cantando e a sombra das arvores se desenhando por entre as brechas das janelas. Só foi sair para ter novamente a certeza de quão desumana e hipócrita é a humanidade. Acho que é por isso que saímos de casa, por causa do nosso esquecimento diário, das nossas doses de amnésia. O mundo está louco e endoida qualquer um com suas respostas e questões no qual não podemos responder.

- Olá, Ricardo, como estás? – Perguntei
Ricardo era o farmacêutico de uma farmácia qualquer das redondezas. Era mais um desses trabalhadores de balcão, burros de carga feitos sob medida para seus patrões. Era de se suspeitar que fosse uma alma boa. Talvez. É, quem sabe? Tenho minhas dúvidas.
- Estou ótimo. Como andam as poesias?
- Estou dando um tempo, não tenho nada para escrever. E você, trabalhando muito?
-Um pouco. Um pouco a cada dia. Mas estou pensando em mudar de emprego. Um desses caras do meio perguntou se eu queria vender remédios abortivos. É um troço perigoso, mas é dinheiro na certa! Muito dinheiro! Já vendi alguns e o lucro é grande! O que você acha?
- Acho que a bolsa de valores está em alta.
Começamos a conversar sobre diversos assuntos: futebol, mulheres, política. Não sei o porquê, mas o dia não ajudava.
- É uma palhaçada, Ricardo. As pessoas deveriam ter o direito tomarem suas próprias decisões. Eu sou a favor do aborto. Como um pai de família que tem renda familiar de um salário mínimo vai sustentar uma família de quatro pessoas? Já é difícil, imagine se vier mais um marinheiro a bordo. O barco afunda, meu caro. O barco afunda literalmente.
- EU sou contra essa lei. Se for aprovada o que mais vai ter é mulher abortando anjinhos. Pensam que estão livres dos olhos de deus.
Terminei nossa conversa em uma bruta gargalhada. Nunca mais voltei a aquela farmácia qualquer. Entrei para casa com as roupas encharcadas de hipocrisia, tranquei-me no quarto, mudei de roupa. Escrevi, acho que a única coisa boa que aconteceu. Não quis mais sair. Só quis esquecer o mundo lá de fora, pelo menos por hoje. Quem sabe até a próxima forma de ressocialização. Até a próxima.

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