Evento coordenado pela Ação Educativa colocou em pauta o ensino religioso nas escolas públicas.
Apesar de o Brasil declarar em sua
Constituição ser um Estado laico, há um enorme abismo entre tal preceito
e a realidade existente hoje. “A laicidade do Estado significa que ele
deve ser neutro em matéria religiosa e isso não quer dizer que ele seja
ateu ou agnóstico, quer dizer que o Estado não tem posição, deve
respeitar todas as posições religiosas, mas não pode endossar nenhuma
delas”, argumenta Daniel Sarmento, professor adjunto de Direito
Constitucional da UERJ e Procurador Regional da República.
Sarmento participou do debate “O Ensino
Religioso nas Escolas Públicas: Inconstitucionalidade e Ameaças à
Liberdade Religiosa e aos Direitos Humanos”, realizado ontem (31). “Essa
neutralidade do Estado implica garantir a liberdade religiosa para as
pessoas. É uma garantia importante também do princípio da igualdade,
pois não haveria discriminação daqueles que não comungam da religião
estatal e ela é extremamente relevante para propiciar uma estabilidade
política e social, já que a religião tem um poder muito grande de
mobilizar as pessoas”, destacou.
O jurista fez questão de diferenciar a
laicidade do Estado do que chamou de “laicídio”. “A laicidade do Estado
respeita as religiões e não impede, por exemplo, um religioso de ocupar
uma função pública. Ela não é contrária à expressão da religiosidade,
como no caso que vimos na França ao se proibir o uso do véu muçulmano.
Isso é muito mais grave, é uma discriminação religiosa”, afirmou.
Intolerância religiosa
Denise Carreira, relatora nacional para o
Direito Humano à Educação da Plataforma Dhesca Brasil e coordenadora da
Ação Educativa, mostrou dados gerados pela relatoria sobre intolerância
religiosa, com base em pesquisa realizada nos anos de 2010 e 2011 nos
estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Segundo ela, a
intolerância religiosa e o racismo caminham lado a lado, tendo as
religiões de matriz africana como principal vítima. O avanço dos
conservadores católicos e evangélicos das áreas também é visto como
razão para isso.
“Observamos que a intolerância nas
escolas públicas se manifesta em violência física, até apedrejamento,
sobretudo de estudantes vinculados a religiões de matriz africana. Ela
se manifesta também pela negação da identidade religiosa por medo de
represálias e casos de demissão ou afastamento de profissionais que são
adeptos de religiões africanas ou que abordaram o tema em aula”,
descreveu. “Também registramos proibição de uso de livro de religiões
africanas, prática de capoeira e danças afros e muitas vezes os
professores e diretores se mostram omissos em relação à violência o que
acaba causando nos alunos a repetência, a evasão escolar e até a
depressão”, disse.
Lei e Consenso
Apesar de o Brasil ser um Estado laico,
também consta no texto da Constituição a obrigatoriedade do ensino
religioso, além do país ter firmado um acordo com a Santa Sé que prevê o
“ensino católico e de outras confissões” na rede pública de ensino, o
que causa um conflito de interesses. Em muitos locais, o ensino
religioso é considerado obrigatório e sua matrícula é feita de maneira
automática, apesar de, por lei ele ser facultativa.
Por isso, os envolvidos no debate
acreditam que seria a retirada do ensino religioso das escola. Para
tanto, seria necessária a criação de uma PEC, Proposta de Emenda à
Constituição, mas eles não enxergam uma força política hoje capaz de se
articular para essa finalidade. Em vista disso, foram debatidas também
algumas alternativas, entre as quaisa criação do Plano Nacional para
Enfrentamento da Intolerância Religiosa e de uma Comissão de
Enfrentamento de Intolerância Religiosa, a formação de profissionais e
gestores para lidar com a questão, revogação do acordo entre Brasil e
Santa Sé, revisão do artigo 33 da LDB e eliminação de todos os símbolos e
práticas religiosas da rotina escolar.
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